segunda-feira, 6 de julho de 2009

Posição Prona na Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SDRA)


A dificuldade na ventilação de pacientes com síndrome da angústia respiratória aguda (SDRA) tem levado à muita investigação nesta área. Esta síndrome é caracterizada pelo desequilíbrio da ventilação-perfusão (V/Q), shunt, diminuição da complacência pulmonar, hipoxemia refratária à administração de oxigênio e pela existência de infiltrado pulmonar difuso com distribuição heterogênea, os quais se localizam preferencialmente nas zonas posteriores (regiões dependentes).Devido aos mecanismos fisiopatológicos da SDRA tem-se utilizado com grande freqüência a posição prona, que juntamente com o uso de estratégia ventilatória protetora vem demonstrando ser capaz de melhorar a pressão parcial de oxigenação no sangue arterial (PaO2), a heterogeneidade do gradiente V/Q, a complacência pulmonar, além de diminuir o shunt e promover o recrutamento alveolar associado ao uso da PEEP.4,27Contudo, o mecanismo específico que conduz a melhora da oxigenação durante a ventilação mecânica na posição prona, ainda não é sabido.
A SDRA é caracterizada por alteração da permeabilidade da membrana alvéolo capilar com extravasamento de plasma para o interior dos alvéolos e formação de edema pulmonar não decorrente de elevação da pressão hidrostática. Apresenta instalação aguda, infiltrados radiológicos difusos e pressão capilar pulmonar<18>
II. Posição Prona

A posição prona auxilia na melhora da troca gasosa em aproximadamente dois terços dos pacientes com SDRA. O mecanismo que causa este aumento do conteúdo de oxigênio no sangue arterial tem sido motivo de numerosos estudos em modelos animais com doença pulmonar induzida. Nestes modelos, como também em muitos pacientes com SDRA, as unidades de pulmão pouco e/ou não-aeradas apresentam principal localização nas posições pulmonares dependentes. 1,7

II.a. Mecanismos da posição prona

Os efeitos da posição prona no aumento da oxigenação são decorrentes da interação de vários fatores como:- A posição prona determina descompressão e reexpansão alveolar dos segmentos dorsais, que são as áreas de maior atelectasia e edema durante o tratamento convencional em posição supina.- Na posição supina o peso do coração exerce forças compressivas sobre as regiões dorsais dos pulmões (principalmente sobre o pulmão esquerdo). Na posição prona ocorre deslocamento da região cardíaca para a posição ventral (força de compressão direcionada ao esterno), resultando em um aumento de volume disponível para a ventilação. Assim, apenas uma pequena área pulmonar sofre ação compressiva do coração na posição prona, melhorando a ventilação dessa região.

- A posição prona gera uma pressão transpulmonar que é suficiente para exceder a pressão de abertura das vias aéreas nas regiões dorsais do pulmão (onde, como já descrito, a atelectasia é mais grave), causando uma melhora da ventilação com conseqüente redução do shunt pulmonar.18

- Ao longo do eixo vertical o gradiente de pressão pleural é menor com o paciente em posição prona do que em posição supina. Assim, nas regiões dependentes, a pressão pleural é menos positiva (mais negativa) com o paciente em posição prona do que em posição supina; em grande parte isto ocorre porque a região cardíaca descansa quase que totalmente sobre o esterno exercendo menor pressão no pulmão e espaço pleural em comparação com a posição supina.

- Estudos com animais inicialmente normais demonstram que a perfusão é maior ao longo do gradiente gravitacional em posição supina, e mais uniformemente distribuída na posição prona. Após a indução da SDRA nesses animais, foi observado que a maior proporção de perfusão está distribuída nas áreas dorsais pulmonares, independentemente da posição. Como resultado, a perfusão foi maior em região dependente em supino e se mantém preferencialmente distribuída para a região não dependente durante a posição prona. A posição prona favorece o aumento do "clearance" das vias aéreas gerando maior mobilização de secreções.

II.b. Procedimento e cuidados especiais da manobra da posição prona

Para a realização da manobra uma pessoa deve ficar na cabeça, para mobilizá-la juntamente com o tubo orotraqueal e os acessos invasivos da região cervical. Outras pessoas colocam-se de um lado e de outro da cama, dependendo do paciente (peso, estado físico, presença de drenos). Habitualmente a mudança de decúbito pode ser feita por três a cinco pessoas e a duração da manobra (tempo gasto para colocar o paciente de posição dorsal para ventral ou vice-versa) é em média de dez minutos.29 Durante a manobra o corpo vai girando em bloco até ficar todo em prono. Estando em prono, os braços devem ser posicionados em extensão com abdução de ombro e flexão de cotovelo, enquanto os membros inferiores permanecem em posição normal de extensão. Deve-se atentar para um ideal posicionamento evitando posições que causem estresses articulares e pressões de contato em proeminências ósseas. Suportes (coxins) que elevem o tórax e a pelve são necessários para aliviar a compressão abdominal e assim melhorar a dinâmica diafragmática. O tubo orotraqueal e acessos centrais devem ser monitorizados em relação à desconexão, compressão ou acotovelamento. Sistema de aspiração fechado pode ser utilizado.O tempo de permanência nesta posição não está definido nem é consensual, podendo estes pacientes permanecer em posição prona seis ou mais horas por dia.

II.c. Critérios de exclusão da posição prona

Não existem contra-indicações absolutas para a realização da posição prona, no entanto existem algumas situações que podem constituir problema à sua realização, como a instabilidade hemodinâmica grave com possível necessidade de reanimação cardiorrespiratória, presença de drenos na região anterior do tórax ou abdome, edema cerebral ou hipertensão intracraniana, esternotomia recente, presença de lesões vértebro-medulares, edema pulmonar cardiogênico, hemorragia alveolar, cirurgias abdominais recentes, gestantes, extensas lesões de pele e síndrome compartimental abdominal.

II.d. Complicações relacionadas à posição prona

As complicações relacionadas a posição prona são o aumento da sedação, obstrução de vias aéreas, edema facial, necessidade de aumento na curarização, dessincronia com o ventilador, dessaturação transitória, hipotensão, vômitos, arritmias e perda de acesso venoso.9

Em 1976, Piehl e Brown27 foram os primeiros a mencionarem sobre a melhora da oxigenação na posição prona, em pacientes com falência respiratória aguda hipoxêmica. Desde então, diversos estudos clínicos foram publicados a respeito do uso da posição prona em pacientes com SDRA.Os mecanismos pelo qual ocorre o aumento da oxigenação não tem sido bem determinado. Estudiosos acreditaram que o aumento da oxigenação deve-se ao aumento da ventilação como resultado da remoção de secreção como um aumento da capacidade residual funcional (CRF) ou uma mudança na excursão diafragmática aumento do débito cardíaco segundo a pressão parcial da mistura venosa de oxigênio e uma redistribuição de perfusão distante de regiões anteriormente dependentes e regiões pulmonares mais edematosas.8,19 Direcionado à estas hipóteses, em 1987, Albert e col.3 induziram SDRA em animais mensurando as alterações da CRF, movimento do diafragma na posição ventral e dorsal, débito cardíaco e pressão vascular pulmonar na posição prona. Observando que o aumento da PaO2 resultava de uma acentuada redução de shunt, assim como maior homogeneidade na ventilação-perfusão. A mudança na CRF não alcançou estatística significante, e não havia diferença no movimento do diafragma ventral ou dorsal, pressão vascular pulmonar ou débito cardíaco.3 Um aumento de volume pulmonar expiratório final (EELV) tem sido considerado uma possível explicação na troca gasosa associado com a posição prona. Relacionado ao movimento do diafragma Krayer e col.,17 em 1989, descobriram que a porção dorsal e ventral do diafragma movem-se simetricamente quando ventilado em posição supina, mas a porção dorsal move-se mais quando em prono sugerindo então que outros fatores, como a pressão abdominal poderia estar contribuindo. Em 1994 Pappert e col.25 estudaram a influência do posicionamento da relação ventilação-perfusão em SDRA. Dados sobre a relação V/Q revelaram que no grupo que respondeu a terapia houve uma diminuição do shunt e um aumento da relação V/Q normal e ao retornar o paciente para a posição supino ocorreu o aumento da troca gasosa. No grupo que não respondeu a terapia não foi observada nenhuma alteração significante na relação V/Q durante o estudo. Concluindo na posição prona há mudança de fluxo sanguíneo distante de regiões com shunt, sendo assim, aumentando áreas com relação V/Q normal. Esta distribuição de fluxo sanguíneo provavelmente deve-se ao recrutamento de regiões com atelectasia. Em 1990, Wierner e col.31 demonstraram opinião divergente em relação ao gradiente gravitacional de perfusão, através de um estudo sobre a posição prona e o gradiente de distribuição de perfusão em cachorros com lesão pulmonar induzido por ácido oléico, concluindo que o gradiente gravitacional de perfusão é reduzido em posição prona, em ambas situações: antes e depois de uma lesão pulmonar, sendo assim quando a posição prona induzia o aumento da oxigenação não era devido à redistribuição de perfusão distante das áreas o qual o edema preferencialmente se desenvolvia, e sim que a maior proporção de perfusão está distribuída nas áreas dorsais pulmonares, independentemente da posição. Nesse sentido outros estudiosos também relataram que a região dorsal sempre recebiam perfusão preferencial. Uma outra possibilidade de aumento da PaO2, foi sugerida por Mutoh e col em 1992, em que a posição prono, é capaz de reduzir a pressão positiva na região dependente, reduzindo o gradiente de pressão pleural, resultando em uma necessidade de menor pressão do espaço aéreo para gerar fechamento do espaço e maior uniformidade na insuflação pulmonar. E que o importante ao posicionar em prono, estas densidades vistas em região dorsal desaparecem, indicando uma menor consolidação. 4,28 Já em 1994, Lamm, Graham e Albert.18 observaram que os mecanismos pelos quais a posição prona aumenta a oxigenação na SDRA deve-se ao fato de que, a posição prona gera uma pressão transpulmonar suficiente para exceder a pressão de vias aéreas em região dorsal, o qual eram mais severas as atelectasias, áreas com shunt e heterogeneidade de relação V/Q, tudo isto sem afetar região ventral. Em oposição a trabalhos anteriores, Pelosi e col. em 1998, estudaram os efeitos da posição prona, na mecânica respiratória e troca gasosa durante a SDRA. Investigando os efeitos da posição prona no EELV, mecânica pulmonar e da caixa torácica e relação entre as mudanças na oxigenação e na mecânica respiratória. Foi observado que em posição prona, a PaO2 aumentou sem alterações significativas da EELV e da complacência do sistema total de respiração, mas a complacência do arco tóraco abdominal diminuiu e estava correlacionada com o aumento do oxigênio. Esta diminuição na complacência pode estar associada com o descanso do esterno sobre o leito. Retornando a posição supina, a complacência do sistema total respiratório aumentou se comparada à linha de base, principalmente devido ao componente pulmonar. Sendo assim a linha de base da complacência do arco tóraco abdominal e as mudanças podem ocorrer em resposta de oxigenação na posição prona e que também ao retornar para a posição supina, há um aumento da complacência total do sistema respiratório e complacência pulmonar. Albert e Hubmayr em 2000 estudando sobre a posição prona na eliminação da compressão do coração no pulmão, concluíram que o coração em pacientes em posição supina está acima de uma grande parte do pulmão, principalmente à esquerda e poderia ser o sujeito de forças compressivas, resultando do peso do coração, quando os pacientes estão em prono à força compressiva do coração é direcionada para o esterno. Sabe-se que nem todos os pacientes respondem a terapia, mas este aumento da oxigenação ocorre em 60 a 70% dos pacientes.5 Estudos sobre a resposta da terapia e o tempo de permanência em prono, relatam que, se ocorrer um aumento na PaO2 maior de 10 mmHg ou um aumento da relação PaO2/FiO2 maior que 20% após duas horas da mudança para posição prono, pode-se considerar uma boa resposta à terapia, com possibilidade de manutenção da posição por até 12 horas, porém se o paciente não responder a terapia ao posicionado em prono, pode-se considerar esta conduta ineficaz, devendo o mesmo ser reposicionado em supino, com avaliação diária. Em recente estudo (2001), Gattinoni e col.9 realizaram um estudo prospectivo multicêntrico 30 unidades de Terapias Intensivas, avaliando o impacto da estratégia na sobrevida de pacientes com SDRA ou lesão pulmonar aguda, demonstrando que a posição prona melhora a oxigenação em pacientes com SDRA ou com lesão pulmonar aguda, porém seu uso rotineiro não altera a sobrevida desses pacientes.

A posição prona é um procedimento simples, sem custos associados, podendo ser executado em qualquer unidade de cuidados intensivos, sendo uma boa opção no tratamento de pacientes com SDRA.Dessa forma mecanismos propostos relatam que a posição prona proporciona efeitos positivos a longo prazo, através da descompressão e reexpansão alveolar dos segmentos dorsais (áreas de maior atelectasia e edema), contribuindo para uma distribuição mais homogênea da ventilação-perfusão, melhora da PaO2, melhor mobilização das secreções e redução das lesões causadas pela ventilação, porém sem melhora da sobrevida desses pacientes.


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